simone_dalla_bona_0003bA falta de mobilidade nos grandes centros e a necessidade de acelerar processos no Judiciário têm impulsionado uma nova forma de trabalho nos tribunais brasileiros: o teletrabalho ou “home office”. A medida ganhou força com o avanço do processo eletrônico, sem papel, mas divide opiniões de juízes, advogados e sindicatos.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), trabalhar em casa já era a realidade de pelo menos 19,5 milhões de brasileiros em 2012, principalmente em empresas privadas. No Judiciário, existe desde aquele ano no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o pioneiro na iniciativa, mas ainda está em fase inicial em esferas como criminal e cível.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país e onde tramitam 20 milhões de processos, estuda adotar o sistema. “Precisamos pensar em produtividade”, disse o novo presidente da Corte, José Renato Nalini, que tomou posse neste ano.

A portaria mais recente foi publicada no dia 4 de fevereiro pelo desembargador Fausto Martin De Sanctis, autorizando o teletrabalho em seu gabinete no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região. A adesão é facultativa. Quatro dos 17 funcionários começaram a trabalhar de casa inicialmente. “E super felizes”, afirma.

Segundo De Sanctis, são servidores que chegavam a levar pelo menos duas horas dos extremos da capital paulista até o tribunal, na Avenida Paulista. “São Paulo é uma cidade que não tem mobilidade. Então, é uma perda de tempo total em todos os sentidos. Minha esperança é experimental, mas já convicto. São Paulo está exigindo isso. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e o CJF [Conselho da Justiça Federal] estão exigindo produção do juiz. Já está todo mundo no limite.”

A meta do gabinete, cuja principal demanda é relativa ao INSS, é aumentar a produtividade em 15%. Nas primeiras duas semanas, o aumento foi de 20%. “Se isso for possível atingir, já valeu muito a pena. São mil processos por ano, 500 novos por mês. E é muito triste um processo do INSS ficar parado, que socialmente é importantíssimo e tem uma natureza alimentar, pessoal, familiar. A Justiça tem que criar meios”, afirma o desembargador.

Tecnologia x produtividade

O “home office” é facilitado pelo processo eletrônico, que permite aos servidores o acesso à distância às demandas do tribunal. Um dos sistemas adotados é o PJe, lançado em 2011 pelo CNJ. Essa tecnologia agiliza as decisões, segundo quem a utiliza, mas não está instalada em todos os tribunais, incluindo o gabinete de De Sanctis, o que torna o teletrabalho uma tarefa “braçal”.

Segundo o CNJ, o PJe chega atualmente a nove Tribunais de Justiça (TJ); 1 TRF e 27 Tribunais Regionais de Trabalho (TRT).

Para trabalhar de casa, a técnica judiciária Roberta Cristina Ligori, 35, vai até o TRF-3 a cada duas semanas e leva para casa, no bairro do Limão, uma mala de viagem grande, cheia de processos. “Fui lá ontem, trouxe 40”, conta ela, que começou a nova rotina no dia 5 de fevereiro.

São Paulo é uma cidade que não tem mobilidade. Então é uma perda de tempo total em todos os sentidos. Minha esperança é experimental, mas já convicto. São Paulo está exigindo isso. E CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e CJF [Conselho da Justiça Federal] estão exigindo produção do juiz. Já está todo mundo no limite”
Fausto Martin De Sanctis, desembargador federal do TRF-3, em São Paulo.

O técnico judiciário é um servidor público que, nos tribunais, auxilia juízes e desembargadores a tomar suas decisões, fazendo pesquisas de legislação, jurisprudência, entre outros.
“O ideal seria que o processo só fosse eletrônico e ela pudesse acessar. Por enquanto, tem que levar fisicamente. É uma preocupação constante”, diz De Sanctis.

Servidora há 11 anos, Roberta trabalha há três no gabinete e, apesar da maratona, aprova a mudança. “Eu já estava fazendo um horário diferenciado para evitar um pouco o trânsito. Eram dois ônibus, ou um ônibus e metrô. Mesmo assim, dava uma hora, uma hora e quinze. Moro com meu marido. Ele também gostou. Dá para ajeitar a casa, ler um livro, ver filme. E a produção aumenta. No trabalho tem conversa e te distrai mais. Até sinto falta dos colegas, mas uma vez por semana vou lá”, afirma.

“Acho que ajuda não só os servidores, mas em tudo. Se todo tribunal fizer isso, pode ter uma economia, até se contratar mais funcionários para o mesmo espaço, agilizar mais os processos, que vão ter uma resposta mais rápida. E o trânsito também melhora. Mesmo quem vai de carro, é menos carro na rua, menos estacionamento lotado”, avalia Roberta.

Ajuda da tecnologia

O teletrabalho também é adotado no TRF-4, que atende Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. O número de funcionários à distância é maior – 18 ao todo –, já que o sistema está informatizado.

Com a quase ausência de papel, uma servidora prestou serviço de Madri, na Espanha, e agora a técnica judiciária Simone Dalla-Bona, 32, trabalha de Los Angeles para a sede em Porto Alegre.

Ela conta que seu caso é excepcional, fruto de um pedido depois que o marido dentista conseguiu uma bolsa de dois anos em uma universidade da Califórnia. “Ou eu teria direito a uma licença não remunerada, e o tribunal ficaria com uma funcionária a menos, ou eu continuava trabalhando daqui”, afirma.

Simone trabalha sozinha em casa e, com a ajuda do processo eletrônico, pesquisa decisões, acha propostas para resolver os recursos e ajuda a desembargadora do gabinete onde está lotada, sempre com uma meta diária a ser cumprida. Nada de papel. “Isso só é possível porque está tudo informatizado. Fora toda a agilidade, espaço físico economizado do tribunal”, diz.

“A única desvantagem é não ter a convivência diária. E no TRF o ambiente de trabalho é muito bom. Mas tenho vários colegas que não aceitariam. Porque têm filhos, empregada. Se eu voltar, e tiver a possibilidade, vou continuar de casa. Eu morava longe, chegava a demorar duas horas por dia no trânsito. Acho maravilhoso, muito mais produtivo, tanto para mim quanto para o tribunal”, afirma a servidora.

O QUE DIZ A CLT SOBRE O TELETRABALHO

“Art. 6º* – Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

*Alterado pela Lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011

Eduardo Weber, diretor de recursos humanos do TRF-4, afirma que a resolução do teletrabalho no tribunal é de maio de 2013. “Olhamos a experiência do TST, Receita Federal, Tribunal de Contas e fizemos uma análise dos pontos negativos e positivos. É um instrumento da modernidade, com alguns riscos associados, como de isolamento social. Depende do perfil de pessoa”, explica.

Em razão dos riscos psicológicos, em regra, os servidores não podem estar a mais de 80 km do trabalho, a não ser com uma justificativa previamente analisada. “A pessoa não pode perder o vínculo com seus colegas, com a administração”, afirma Weber.

O diretor reforça que o teletrabalho só é permitido em setores em que se pode medir o desempenho. “Quem faz atendimento pessoal, por exemplo, tem que comparecer.”

No TST, 27 dos 2.498 servidores ativos trabalham de casa. Assim como nos TRFs, a participação é facultativa e restrita às atribuições em que seja possível mensurar objetivamente o desempenho.

O TST afirma que os teletrabalhadores produzem, em média, 20% a mais do que os que atuam presencialmente.

“Ademais, o teletrabalho representa um ganho substancial em qualidade de vida.”

Juízes online

A tecnologia também virou ferramenta de juízes para economizar tempo e dinheiro. Em Patrocínio Paulista (SP), o juiz Fernando da Fonseca Gajardoni despacha com advogados por Skype, um programa que permite uma chamada de vídeo em tempo real pela internet. Assim, os defensores não precisam se deslocar até 400 km de comarcas vizinhas.

“Como tem muitos advogados de Franca, Ribeirão Preto e São Paulo, desde janeiro deste ano eu adotei. Eu uso Skype na minha vida pessoal e acho o máximo. Eu assistia àqueles filmes em que o personagem falava com outro numa tela e achava que isso nunca ia acontecer”, conta o juiz. “O advogado economiza esse tempo para cuidar de outros processos. Mas, se ele quiser pessoalmente, também pode vir.”

O advogado economiza esse tempo para cuidar de outros processos. Mas se ele quiser pessoalmente, também pode vir”

Fernando da Fonseca Gajardoni, juiz de Patrocínio Paulista (SP), que usa o Skype

Gajardoni, que se diz “entusiasta” da tecnologia, afirma que o processo eletrônico tem facilitado a vida dos juízes. “Até a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nancy Andrighi, usa o Skype para falar com advogados.”

Sobre críticas, o magistrado diz que “ruim, ninguém achou, mas bom, um monte de gente”.

“Eu sonho o dia em que eu vou estar na praia com o pé na areia trabalhando. Ou numa noite estar com insônia e pensar: quer saber, vou trabalhar. Para evoluir ainda mais nessa questão da tecnologia, é com o tempo. Se gasta demais e se gasta mal. Ainda há uma certa resistência natural dos operadores, de juízes e advogados mais antigos. Mas a tecnologia só traz vantagem”, afirma.
Sistema falho e sobrecarga
Para Luiz Fernando Martins Castro, presidente da Comissão Especial de Informática da seccional de São Paulo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), “o teletrabalho funciona muito bem para empregados que trabalham por produtividade, o que não é o caso do Judiciário, onde não há meritocracia”. “O que preocupa os advogados é que existe uma cultura de desestímulo no ambiente forense. Vai ser em casa que ele vai produzir mais?”, questiona.

Segundo Castro, advogados também têm enfrentado diversos problemas com o processo eletrônico que, em São Paulo, é o e-SAJ, sistema diferente do que o CNJ oferece. “Essa multiplicidade de sistemas é um problema para o advogado. E fala-se muito em prazos, mas os juízes vão ler melhor? O grande paradoxo que fica é entre o interesse deles, de julgar um monte de coisa rápido, e o do meu cliente, de que o caso dele seja julgado com atenção e cuidado”, afirma.

O que preocupa os advogados é que existe uma cultura de desestímulo no ambiente forense. Vai ser em casa que ele vai produzir mais?”
Luiz Fernando Martins Castro, presidente da Comissão Especial de Informática da OAB-SP
Na opinião do advogado, “a reflexão é curta, o planejamento é baixíssimo e é tudo feito na emergência”.

“Deveríamos aproveitar essa discussão do novo Código de Processo Civil e pensar num novo rito, o rito eletrônico, que parte do pressuposto que a gente vai trabalhar no computador. Agora, o que se faz hoje é transportar o papel para a tela. A OAB apoia o processo eletrônico, mas desde que ele seja feito para melhorar.”

Já para a Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União), que representa 30 sindicatos da categoria em 23 estados do país, a tecnologia vem sendo usada para sobrecarregar os servidores, dentro e fora dos tribunais.

“Tem havido um crescimento exponencial de produtividade. Agora, essa produtividade tem um limite, e o limite é a saúde e o bem estar dos servidores e magistrados, que já estão sendo penalizados por essas metas, impostas de cima para baixo pelo CNJ”, afirma Adilson Rodrigues, coordenador-geral da Fenajufe.

Para o dirigente, o trabalho em casa acarreta uma série de problemáticas que acabam sendo delegadas ao servidor público. “Ele tem que se virar para ter internet. Do contrário, vai haver um acúmulo do trabalho. Por enquanto, estamos vivendo a fase do canto da sereia. É tudo muito novo ainda. Muitos elogios. Mas precisamos ver em longo prazo”, afirma.

Tem havido um crescimento exponencial de produtividade. Agora, essa produtividade tem um limite, e o limite é a saúde e o bem estar dos servidores e magistrados, que já estão sendo penalizados por essas metas, impostas de cima para baixo pelo CNJ”
Adilson Rodrigues, coordenador-geral da Fenajufe

Rodrigues cita pesquisa do sindicato que aponta problemas relacionados ao uso da tecnologia, como LER (lesão por esforço repetitivo), dor nas costas, ardência nos olhos, que já atingem mais da metade do funcionalismo federal. “O que nós estamos pedindo é um aperfeiçoamento do sistema. Um maior planejamento do trabalho, maior clareza na definição das metas. E as condições necessárias, porque o servidor está tendo que assumir todos os custos e inclusive o suporte para reparos.”

Ainda segundo Rodrigues, o problema não é a tecnologia, mas a falta de planejamento, como a contratação de mais servidores e treinamento. “Até mesmo o processo eletrônico apresenta problemas. Em várias comarcas teve queda de energia por excesso nos computadores. Nós dialogamos com as novas ferramentas. O que nós queremos é um melhor planejamento no uso”, conclui.

Em nota, o CNJ afirma que, em relação à Justiça Federal, vem realizando diversas reuniões com o CJF e representantes dos TRFs para planejar a implantação do PJe de forma gradual nesse segmento de Justiça. “É interesse do CNJ que diferentes segmentos ligados à Justiça contribuam para a implantação e melhor funcionamento do PJe. Nesse sentido, o conselho informa que está aberto a receber as contribuições da Fenajufe quanto à implantação do Sistema PJe”, diz.

Para o membro da OAB-SP, também é necessário planejamento. “Falta uma visão. Eu aplaudo e respeito muito essa iniciativa, mas acho que eles [juízes] vivem num mundo que é diferente do mundo real”, afirma Martins Castro.

“Toda mudança tem resistência, porque o que sai do padrão, às vezes dá trabalho também. Mas já apareceu gente querendo trabalhar aqui no meu gabinete e até querendo adotar a ideia”, afirma o desembargador De Sanctis. Ele, no entanto, afirma que prefere trabalhar no tribunal. “Eu prefiro estar aqui, porque eu gosto dessa bagunça”, brinca.